quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Heteronímia


"Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou
variamente outro do que eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições
de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ele julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Com o pateísta se sente árvore (?) e até flor, eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente de cada (?), por uma suma não-eus sintetizados num eu postiço."



Decerteza que já conhecem este pequeno excerto das Páginas de Autognose mas, mesmo assim, decidi colocá-lo no meu blog, porque considerei que é um texto que demonstra muito bem a fragmentação do eu e, como tal, coloquei-o para iniciar a aplicação de pequenas informações e curiosidades dos heterónimos de Fernando Pessoa.

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